Zonas de Escuta: América Latina
multimedia installation
(2019–2021)
PT
Zonas de Escuta: América Latina é uma instalação composta de um conjunto de documentos ficcionais. O trabalho surge de uma urgência em repensar a espacialidade do som. Quero dizer, por quais meios ouvimos, ou como uma escuta pode atravessar e aproximar pessoas e lugares. Fico pensando: existem relações, teias, imbricadas em nós latino americanos que não são visíveis, que por causa das fronteiras são apagadas, ou mesmo nunca tidas como ligaduras, e sim coincidências? A história já nos mostrou como insurgências e emancipações são repetidas, como um povo se inspira no outro, etc. E nada me parece coincidência, nesse sentido. Parece mais contágio. Mas, se essas relações são apagadas de um panorama central de visibilidade, dos livros de história, onde elas poderiam aparecer? A literatura, assim, se apresentou enquanto um lugar frutífero.
Mas a questão seria então pensar não no lugar da literatura enquanto narrativa ou ficção, mas desses elementos escondidos nos silêncios das páginas: as escutas. As escutas literárias, o que os personagens ouviram, como os sons configuraram aqueles espaços e, de alguma maneira, ressoavam nas outras narrativas e assim por diante, criando essa rede complexa de referências. A hipótese era a de que seria possível, assim, ali, identificar esses traços que cruzam nossas fronteiras e que se constituem no encontro de nós enquanto sujeitos que compartilham experiências, memórias, uma ideia de latinoamericanização, ou algo parecido. Não penso em uma coisa só, única e homogênea, mas ao contrário, algo ali, múltiplo, em constante mutação. Então as escutas seriam os marcos desses reflexos em diferentes culturas, textos e ficções, num talvez traçar de um comum compartilhado. Ou no que se esqueceu de apagar. No que restou.
Durante a Residência Artística Vila Flores (2019), e junto ao pesquisador Luis Felipe Abreu e uma equipe de cinco voluntários, fizemos durante cinco dias uma pesquisa em mais de 90 livros, à procura dessas passagens de escuta. Nosso recorte curatorial não envolvia temporalidade ou regionalidade, mas sim, o coeficiente de insurgência presente naquelas narrativas. Então tínhamos livros de diferentes épocas e de diferentes abordagens, e a quantidade de livros por país era diretamente relacionada à extensão territorial. Vejamos: o Brasil, por ser o país mais grande, foi designado com a maior quantidade de livros a serem pesquisados, e assim se estabeleceu essa relação numérica com os outros países. Contudo, os números desaparecem ao longo do processo pois não é possível prever quantas passagens e quantas escutas existem em cada um dos livros. Mais ainda, quando sobrepostos à uma outra relação territorial, que é totalmente nova, já que são essas escutas que irão dar corpo e logo, tamanho, números, aos novos pedaços de terra desenhados.
A partir das escutas foi possível mapear, na cartografia original, marcos sonoros espalhados pelo terreno, considerando as regiões de cada um dos países. E a partir desses marcos foi possível então traçar novas linhas de relação entre-países, não respeitando para nada as linhas já existentes, e como que comendo, ou fragmentando, as formas originais, em uma grande colagem para formar um novo continente. A formação do novo continente foi espontânea. Não vimos outra saída a não ser inventar um novo. Os países são assim organizados pelos encontros sonoros, pelos marcos que se repetem, que vinculam uma cultura à outra em dado momento, situação ou memória compartilhada.
Nesta outra América, vivemos entre-povos, em uma mix de línguas, na contingência única do agrupamento sonoro, no devir latinoamericano de ser, simplesmente, latinoamericano. O som atravessa, viaja sem temor, adentra as porteiras não abertas. É através do som, e da escuta, que podemos visualizar uma outra organização territorial, ressonâncias culturais e históricas, imbricamentos socio-políticos, movimentos espelhados ou até diferentes, mas que preservam uma raiz semelhante; configurações essas tão dissolvidas e carregadas pelo vento da história petrificada, transformadas em mitos, boatos e sussurros, na premissa de uma não identificação com este outro vizinho e de fronteiras cada vez mais rígidas. É sobre uma ideia agrupada e latente, pulsante, sonora, que ecoa América Latina.
É o eco que produz, ele que tece as terras, que aglutina as escutas. "Esta povo está cheio de ecos". É de onde partimos. Desses ecos entre sonares, que são os primeiros a atravessarem as fronteiras da história e das configurações culturais. É a partir dele que improvisamos enquanto forma, números, dimensões… Mas é também por sua condição flutuante que torna-se impossível dizer que há uma forma, que existem dimensões precisas… pois nessa nova América Latina tudo está ao mesmo tempo em choque e em dispersão, as placas tectônicas se movimentam enquanto os sons vão se projetando. É sobre uma outra possibilidade de configuração cartográfica. E aí, então, de configuração sócio continental.
Carta parte dos documentos da instalação, lida pelo público no evento de encerramento da residência:
À sociedade latina:
Em razão de nosso aparente desaparecimento, traço algumas linhas a explicar a situação, com um relato que, embora não se faça crível, traduz nossa experiência nesses últimos meses – e que configura também um alerta aos incautos navegadores, como aqueles que éramos.
Tudo começou com um zumbido. Em um instante, nossos radares e bússolas perderam seus compassos e tivemos de nos guiar pelo som. Eram águas calmas e o sol irradiava no topo do céu, de modo que logo tivemos vista da terra.. À princípio se dificultou a ancoragem, confusos e enjoados que estávamos com o volume daqueles ruídos, muito mais alto agora que nos acercamos desse pequeno porto, que parecia estranhamente à nossa espera. Descendo ao chão, logo conseguimos interpelar alguns nativos que por ali tocavam seus afazeres, como se aquela balbúrdia nada fosse. Nos informaram que havíamos chegado, precisamente, à Ilha dos Ecos. Nome a eles natural, mas que a nós nada dizia. Como se fosse possível ainda descobrir alguma terra, rimos.
Mas de fato era. Ato contínuo, pedimos ao doqueiro um mapa daquele local, imaginando haver uma confusão, uma troca de nome entre regiões, tão comum na Babel que são as águas internacionais. Porém, se os grafismos estrangeiros – mais parecidos a uma notação musical do que a uma escrita ocidental – não ajudavam, as formas de terra ali desenhadas torciam ainda mais as ideias. Logo percebemos que havíamos adentrado algo novo, insuspeito, para além dos mares pacíficos que frequentávamos...
Entre a conversa e a charla, em meio ao eco incessante, os trabalhadores nos cederam mais mapas e indicaram que fossemos ao País das Ondas, maior centro portuário dali. Lá, ainda mais línguas, entre as buzinas das embarcações, fomos informados que aquelas terras existiam já de muito, e era estranho que não conhecêssemos. Um velho capitão nos arranjou veículos e trocou nossos equipamentos pela moeda local, dando indicações para que pisássemos a terra em busca de respostas. Convertidos à força em exploradores, fomos.
No continente central, a paisagem pareceria mais próxima, e os ruídos levam inicialmente ao País dos Motores, suas avenidas largas apinhadas de caminhões e motos. Ainda que em meio a fumaça haja ainda algum encantamento, é difícil fechar os ouvidos aos lamentos de sua Capital da Fome, uma favela erguida na vertical, de onde emanam narcocorridos e gritos de ajuda. Violência de outra ordem se ouve ainda no clamor das escavadeiras e bate-estacas do Pontal dos Apitos, essa garra a adentrar o País dos Ruídos Naturais, para extrair dos sons da mata e de seus animais combustíveis e insumos. Não adentravam, porém, o País dos Tambores, embora colocassem na fronteira todas suas tropas, lembretes de força aos indígenas que ocupavam estas terras, consideradas improdutivas pela sua gestão não mecanizada – mas que apresentavam maior riqueza do que o imaginado. Pelo pouco que vimos, claro. Embora os nativos fossem receptivos, seus cantos eram tantos e tão diversos, e o rumor de ameaça estrangeira tão pervasivo, que achamos por bem abreviar a exploração.
Em busca de calma, finalmente, nos encaminhamos ao promissor País do Silêncio (já havíamos aprendido a decifrar os mapas, em parte, por meio de uma complexa criptografia, entre o uso de distintos idiomas combinadas a notas de som). Foi de início um alívio; ainda que o tempo passado por este continente já tivesse nos acostumado ao alvoroço perpétuo, era reconfortante poder desfrutar de calma, conversar em voz baixa, dar espaço a nossos estressados pensamentos. Porém, justo esse vazio dava espaço à audição de certo ruído branco, um zunir de tinnitus. Guiados mais pela curiosidade que pelo bom senso, fomos percebendo que emanavam do Vale dos Gritos, cânions no coração da nação onde ecoam urros e guinchos, nascidos na profundeza sabe-se lá de onde, e espalhando-se, maculando qualquer esperança de quietude.
Corridos pelo clamor, mais nervosos que nunca, rumamos ao leste; de súbito nos vimos no caminho de uma estreita faixa de terra, que conectava o continente principal a outro, à princípio invisível ao visitante que, como nós, chega pela Ilha dos Ecos. Soubemos ser a Península da Liberdade, uma terra de alegria e aparente memória, a tomar pela arquitetura alusiva, os monumentos e, sobretudo, os relatos e cânticos que ouvíamos vindo destes templos.
Não era bem uma península, forçosamente descobrimos, mas um istmo, indo a quebrar noutra terra. Que chamassem península, especulamos depois, fosse talvez para ignorar este outro continente, quase tão grande quanto aquele que deixávamos. O caminho revelava suas sombras; ao nos acercarmos daquele terreno, os ruídos vocais de até então davam espaço a estampidos, e no céu cruzavam-se arcos de balas perdidas, disparadas de lugares vários no Arquipélago dos Tiros que, incautos, atravessávamos. A expedição cruzou as cortinas de pólvora para ir dar num espaço de permanente escuridão, recendendo à urina e produto de limpeza, um cheiro acre – e um som também, atravessado por pedidos de clemência e urros quase sobrenaturais. Chamam ali o País dos Sussuros, embora nenhum de seus ruídos fosse delicado. Soubemos ser uma alternativa, o modo de nomear aquela terra para além da palavra proibida que a melhor descreveria. Anúncios de ordem e pujança vindos dos rádios e televisores – gerados, soubemos, ali perto, no Arquipélago das Transmissões – avisavam que era uma terra onde tudo dava certo, e imprimiam pela voz o silêncio dos outros, calando na garganta a admissão da ditadura...
Fugimos; em verdade, o recuo foi tão rápido e desordenado, aturdidos todos que estávamos entre as sirenes e as risadas das operações policiais, que nos perdemos, e parte feminina da tripulação-tornada-expedição perdeu-se. Pelo que ouvíamos, não demos muita esperança às colegas desgarradas, tornadas parte, talvez, do Desfiladeiro das Desaparecidas...
De volta à península, tomamos por missão falar às autoridades, pedir abrigo, enfim. Não éramos exploradores, afinal, se não apenas explorados por aquela confusão. Queríamos tornar à casa, distante não sabia-se quanto dali. Mas não foi possível voltar, não até onde queríamos. Nem mesmo os mais experientes navegadores das terras portuárias sabiam nos indicar o caminho de retorno a nosso mundo conhecido. Desconheciam o nome “América”, fosse Latina, do Sul, ou qualquer outra; ainda que falassem em uma confusão de prosódias de lá, imitando ora a língua desatada portenha, ora a aridez pausada sertaneja. Ilhados, acabamos por fixar residência próximos a nosso ponto de chegada, na esperança ainda de sermos encontrados; e por isso escrevo desta Ilha dos Latidos do Coração. Uma terra de palpitações, intranquila – o que até traz o conforto de lembrar nossa “civilização” –, mas de bons ares e boas sementes; longe o bastante, também, daquele deserto de horror o qual não esquecemos. Além do que, é possível escutar ao longe a doce melodia que cantam à sombra na Ilha das Canções de Amor.
E desta maneira, senhores, dou aqui o que nesta terra ouvi. E, se algum pouco me alonguei, me perdoem; é pelas doses de medo e desejo que essas ilhas de sons me provocam e que me são difíceis de traduzir. Que minha palavras cheguem a vocês e alertem para o sussurro que sibila, mais próximo do que se sabe.
Com votos de cuidado,
a Navegadora.
Ilha dos Latidos do Coração, 18 de julho de 2019
Relato da expedição:
Partimos de uma América Latina e chegamos a outra. A viagem durou exatos 11 dias. Por entre palavras, fonemas, sons e mais sons, derivamos pelas águas turvas desse continente de fronteiras amargas, dissolvidas em conflitos, terras tão próximas e tão distantes, línguas que se cruzam mas não se olham. É curioso pensar que uma massa de terra tão grande possa se formar apenas pelas passagens de escuta referentes aos variados períodos da ditadura, esses sussurros e segredos que ecoam entre paredes tijolares, onde de um lado se vê a terra, e do outro o mar. São estes marcos sonoros que mostram-se comuns e que tão facilmente dissolvem fronteiras; fronteiras estas tão enrijecidas pela história, sob políticas que seguem a enquadrar cada cultura em seu domínio, cada sotaque em sua extensão de alcance, sem lembrar da esperança de uma comunidade, de uma América Latina integrada, que compartilha das mesmas escutas através do tempo. Nesta outra América, vivemos entre-povos, em uma mix de línguas, na contingência única do agrupamento sonoro, no devir latinoamericano de ser, simplesmente, latinoamericano. O som atravessa, viaja sem temor, adentra as porteiras não abertas. E por isso que, mesmo violento, agrupa. É através do som, e da escuta, que podemos visualizar uma outra organização territorial, ressonâncias culturais e históricas, imbricamentos socio-políticos, movimentos espelhados ou até diferentes, mas que preservam uma raiz semelhante; configurações essas tão dissolvidas e carregadas pelo vento, transformadas em mitos, boatos e sussurros, na premissa de uma não identificação com este outro vizinho. Partimos de uma ideia estrangeira de América Latina, um conceito unificado de latinidade, porém estática e petrificada, para chegar a essa outra, também unificada, mas latente, pulsante, sonora. A literatura registra, dentro de um mundo possível, a história, o relato daquilo que não se quer registrar nas atas e emendas nacionais. Por isso suas escutas, fonte sonora mais verdadeira, a servir para um mapeamento de acontecimentos que atravessam territórios e tempos, e que revelam, nas suas ressonâncias, os ecos latinoamericanos estéticos, políticos e culturais. A viagem foi longa, mas chegamos lá. Em uma configuração possível; ou no caso, em uma das configurações possíveis. Escute, colega. O que está sendo dito ao final do horizonte, naquela borda de terra à vista? Talvez tuas mesmas palavras, só que em outra língua, sotaque ou linguajar. Escutemos à nós mesmos, por uma América Latina de fronteiras móveis, sonoras, não delineadas.
EN
Listening Zones: South America is an installation made up of a set of fictional documents. The work arises from an urgency to rethink the spatiality of sound. I mean, by what means do we listen, or how listening can cross and bring people and places closer together. I keep thinking: are there relationships, webs, intertwined in us Latin Americans that are not visible, that because of borders are erased, or even never considered as ligatures, but rather coincidences? History has already shown us how insurgencies and emancipations are repeated, how one people is inspired by another, etc. And nothing seems like a coincidence to me, in that sense. It looks more like contagion. But, if these relationships are erased from a central panorama of visibility, from history books, where could they appear? Literature, therefore, presented itself as a fruitful place.
But the question would then be to think not about the place of literature as narrative or fiction, but about these elements hidden in the silences of the pages: listening. The literary listening, what the characters heard, how the sounds configured those spaces and, in some way, resonated in the other narratives and so on, creating this complex network of references. The hypothesis was that it would be possible, there, to identify these traits that cross our borders and that constitute the meeting of us as subjects who share experiences, memories, an idea of Latin Americanization, or something similar. I don't think of just one thing, unique and homogeneous, but on the contrary, something there, multiple, constantly changing. So the listening would be the milestones of these reflections in different cultures, texts and fictions, perhaps tracing a shared commonality. Or what you forgot to delete. In what's left.
During the art residency at Vila Flores Cultural Center (Porto Alegre, BR), and together with researcher Luis Felipe Abreu and a team of five volunteers, we researched more than 90 books for five days, looking for these listening passages. Our curatorial approach did not involve temporality or regionality, but rather the coefficient of insurgency present in those narratives. So we had books from different periods and different approaches, and the number of books per country was directly related to territorial extension. Let's see: Brazil, as the largest country, was designated with the largest number of books to be researched, and thus this numerical relationship with other countries was established. However, the numbers disappear throughout the process as it is not possible to predict how many passages and how many listens there are in each of the books. Even more so, when superimposed on another territorial relationship, which is totally new, since it is these taps that will give shape and therefore, size, numbers, to the new pieces of land designed.
From the listening, it was possible to map, in the original cartography, sound landmarks spread across the terrain, considering the regions of each country. And from these milestones it was then possible to draw new lines of relationship between countries, without respecting the existing lines at all, and as if eating, or fragmenting, the original forms, in a great collage to form a new continent. The formation of the new continent was spontaneous. We saw no other way out than to invent a new one. Countries are thus organized by sound encounters, by landmarks that are repeated, which link one culture to another at a given moment, situation or shared memory.
In this other Latin America, we live among peoples, in a mix of languages, in the unique contingency of the sound grouping, in the Latin American becoming of being, simply, Latin American. The sound passes through, travels without fear, enters unopened gates. It is through sound, and listening, that we can visualize another territorial organization, cultural and historical resonances, socio-political overlaps, mirrored or even different movements, but which preserve a similar root; these configurations are so dissolved and carried by the wind of petrified history, transformed into myths, rumors and whispers, on the premise of a non-identification with this other neighbor and increasingly rigid borders. It's about a grouped and latent, pulsating, sonorous idea that echoes Latin America.
It is the echo that produces, it that weaves the lands, that brings together the listening. "This town is full of echoes." That's where we start from. Of these echoes between sonars, which are the first to cross the borders of history and cultural configurations. It is from it that we improvise as form, numbers, dimensions... But it is also because of its fluctuating condition that it becomes impossible to say that there is a form, that there are precise dimensions... because in this new Latin America everything is at the same time in shock and in dispersion, tectonic plates move while sounds are projected. It's about another possibility of cartographic configuration. And then, of socio-continental configuration.
Letter that is part of the documents of the installation, read by the audience at the residency's closing event::
To Latin society:
Due to our apparent disappearance, I draw a few lines to explain the situation, with a report that, although not credible, reflects our experience in these last few months – and which also constitutes a warning to unwary navigators, like those we were.
It all started with a buzz. In an instant, our radars and compasses lost their compasses and we had to guide ourselves by sound. The waters were calm and the sun shone at the top of the sky, so that we soon had a view of land. At first it was difficult to anchor, confused and sick as we were with the volume of those noises, much louder now that we approached this small port. , which seemed strangely waiting for us. Going down to the ground, we soon managed to question some natives who were going about their business there, as if the commotion was nothing. They informed us that we had arrived, precisely, at Ilha dos Echoes. A name that was natural to them, but that meant nothing to us. As if it were still possible to discover some land, we laughed.
But in fact it was. We then asked the dockman for a map of that place, imagining there was some confusion, a change of name between regions, so common in Babel, which is the international waters. However, if the foreign graphics – more similar to musical notation than Western writing – didn't help, the land shapes drawn there distorted the ideas even more. We soon realized that we had entered something new, unsuspected, beyond the peaceful seas we frequented...
Between the conversation and the charla, amidst the incessant echo, the workers gave us more maps and told us to go to País das Ondas, the largest port center there. There, even more languages, amid the boats' horns, we were informed that those lands had existed for a long time, and it was strange that we didn't know them. An old captain found us vehicles and exchanged our equipment for local currency, giving us directions to set foot on land in search of answers. Forcibly converted into explorers, we went.
On the central continent, the landscape would seem closer, and the noises initially lead to the Country of Motors, its wide avenues packed with trucks and motorbikes. Even though amidst the smoke there is still some enchantment, it is difficult to close one's ears to the laments of the Capital of Hunger, a favela built vertically, from where narcocorridos and cries for help emanate. Violence of another order can still be heard in the clamor of excavators and pile drivers in Pontal dos Apitos, this drive to enter the Country of Natural Noises, to extract the sounds of the forest and its animals as fuel and inputs. However, they did not enter the Country of Drums, although they placed all their troops on the border, reminders of strength to the indigenous people who occupied these lands, considered unproductive due to their non-mechanized management – but which presented greater wealth than imagined. From what little we saw, of course. Although the natives were receptive, their songs were so many and so diverse, and the rumor of foreign threat so pervasive, that we thought it best to cut short the exploration.
In search of calm, we finally headed to the promising Country of Silence (we had already learned to decipher the maps, in part, through a complex encryption, between the use of different languages combined with sound notes). It was a relief at first; Even though the time spent on this continent had already accustomed us to the perpetual hustle and bustle, it was comforting to be able to enjoy calm, talk in low voices, give space to our stressed thoughts. However, just this void gave way to the hearing of a certain white noise, a tinnitus buzz. Guided more by curiosity than by common sense, we began to realize that they emanated from the Valley of Screams, canyons in the heart of the nation where screams and screams echo, born in the depths of who knows where, and spreading, tarnishing any hope of stillness.
Rushed by the clamor, more nervous than ever, we headed east; Suddenly we found ourselves on the path of a narrow strip of land, which connected the main continent to another, initially invisible to the visitor who, like us, arrives through the Island of Echoes. We knew that it was the Peninsula of Freedom, a land of joy and apparent memory, taking into account the allusive architecture, the monuments and, above all, the stories and songs that we heard coming from these temples.
It wasn't really a peninsula, we discovered, but an isthmus, breaking into another land. That they called it a peninsula, we speculated later, was perhaps to ignore this other continent, almost as big as the one we left behind. The path revealed its shadows; As we approached that terrain, the vocal noises that had hitherto gave way to booms, and in the sky arcs of stray bullets crossed, fired from various places in the Archipelago of Tires that, unwary, we crossed. The expedition crossed the powder curtains to find themselves in a space of permanent darkness, smelling of urine and cleaning products, an acrid smell – and a sound too, pierced by requests for mercy and almost supernatural roars. They call it the Land of Whispers, although none of its noises are delicate. We knew how to be an alternative, a way to name that land beyond the forbidden word that would best describe it. Announcements of order and strength coming from radios and televisions – generated, we learned, nearby, in the Transmission Archipelago – warned that it was a land where everything worked out, and impressed the silence of others through their voices, keeping the admission of the dictatorship in their throats. ..
We run away; In fact, the retreat was so quick and disorganized, everyone who was stunned by the sirens and the laughter of the police operations, that we got lost, and the female part of the crew-turned-expedition was lost. From what we heard, we didn't give much hope to our lost colleagues, perhaps becoming part of the Desfiladeiro das Desaparecidas...
Back on the peninsula, we made it our mission to speak to the authorities, ask for shelter, in short. We weren't explorers, after all, if not just exploited by that mess. We wanted to return to the house, we didn't know how far away. But it was not possible to go back, not as far as we wanted. Not even the most experienced navigators of the port lands knew how to show us the way back to our known world. They were unaware of the name “America”, whether Latin, Southern, or any other; even though they spoke in a confusion of local prosodies, imitating sometimes the loose Buenos Aires language, sometimes the slow dryness of the country. Islanded, we ended up taking up residence close to our point of arrival, still hoping to be found; and that is why I write from this Island of the Barking of the Heart. A land of palpitations, restless – which even brings the comfort of remembering our “civilization” – but with good air and good seeds; far enough, too, from that desert of horror which we have not forgotten. Furthermore, it is possible to hear from afar the sweet melody they sing in the shade on the Island of Love Songs.
And in this way, gentlemen, I give here what I have heard on this earth. And if I've gone on a little longer, forgive me; It's because of the doses of fear and desire that these islands of sounds provoke in me and that are difficult for me to translate. May my words reach you and alert you to the whisper that hisses, closer than you know.
With best wishes,
the Explorer,
Ilha dos Latidos do Coração, July 18, 2019
Expedition report:
We started from one Latin America and arrived in another. The trip lasted exactly 11 days. Between words, phonemes, sounds and more sounds, we drift through the murky waters of this continent of bitter borders, dissolved in conflicts, lands so close and so far away, languages that cross but do not look at each other. It is curious to think that such a large land mass could be formed just by listening passages referring to the different periods of the dictatorship, these whispers and secrets that echo between brick walls, where on one side you can see the land, and on the other the sea. It is these sound landmarks that appear to be common and that so easily dissolve boundaries; These borders are so hardened by history, under policies that continue to frame each culture within its domain, each accent within its range, without remembering the hope of a community, of an integrated Latin America, that shares the same views over time. In this other America, we live among peoples, in a mix of languages, in the unique contingency of the sound grouping, in the Latin American becoming of being, simply, Latin American. The sound passes through, travels without fear, enters unopened gates. And that's why, even when violent, it groups together. It is through sound, and listening, that we can visualize another territorial organization, cultural and historical resonances, socio-political overlaps, mirrored or even different movements, but which preserve a similar root; these configurations are so dissolved and carried by the wind, transformed into myths, rumors and whispers, on the premise of a non-identification with this other neighbor. We start from a foreign idea of Latin America, a unified concept of Latinity, but static and petrified, to arrive at this other, also unified, but latent, pulsating, sonorous. Literature records, within a possible world, history, the report of what is not wanted to be recorded in national minutes and amendments. That is why his listening, the truest sound source, serves to map events that cross territories and times, and that reveal, in their resonances, the aesthetic, political and cultural Latin American echoes. The journey was long, but we got there. In one possible configuration; or in this case, in one of the possible configurations. Listen, colleague. What is being said at the end of the horizon, on that edge of land in sight? Maybe your same words, just in another language, accent or language. Let us listen to ourselves, for a Latin America of mobile, sonorous, undefined borders.
Last assemblage of the installation, during the I Circuito Latinoamericano de Arte Contemporânea, at the Cultural House Mário Quinatana (POA, BR)