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maréeécrit
multimedia installation 
(2024)

PT

Os recentes eventos climáticos e epidêmicos que vêm assolando a humanidade não são por acaso. São avisos. São alertas. São sintomas de um cansaço. De um planeta em exaustão. A Terra grita – e então suas águas avançam, inundam nossas casas, tocam a nossa pele. As grandes marés engolem cidades que insistem em construir barreiras de retenção e concreto contra um corpo líquido e sem forma. O fenômeno já é tátil; o fenômeno já é próximo. Não podemos mais observar a força da natureza à distância: os pedestais do homem moderno já estão submersos, e nossa condição humana de corpos pensantes revela a sua fragilidade. 

 

Como um convite à intimidade, me propus conhecer a maré de La Rochelle não pelo que os outros me contavam – seus efeitos, seus estragos, sua história – mas a partir do que ela mesmo tinha a me dizer: ouvir a sua dinâmica, observar suas linhas. Sou tomada pela paisagem cambiante de uma cidade sempre desconhecida, o variar das águas criando sulcos profundos, vales, stylos. Me impressiona como este corpo d'agua movimenta pesos pesados – pedras, ostras, galhos, plantas – e os reposiciona em linha, realiza uma espécie de poesia concreta. Então ensaiar a maré na própria dança de minhas palavras. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A maré é um tipo de escritura e a escrita é um tipo de maré: entre a maré viva e a maré morta vi um grande texto se revelar, riscos sem significado, muito distantes da razão. Um texto feito de texturas, relevos e dimensões do imaginário, que imprimiam inúmeros sentidos em mim. Partindo desta hipótese poética, me pergunto o que temos em comum, eu e a maré. Quais movimentos sutis podem ser percebidos na alteração de meu corpo? E do que eu venho a escrever? Ou ainda, é possível escrever sobre um fenômeno natural sem romantizá-lo? Sem aniquilá-lo? Quais palavras emergem e quais ficam submersas neste encontro de altos e baixos, entre o movimento do meu corpo e o do corpo da maré?

 

 


 

 

longe de escrever sobre a maré

quero escrever como a maré

com a maré

 

reconhecer na palavra sua natureza variante

e conhecer na maré possíveis dinâmicas de inscrição

 

desaprender a escrever

 com lápis e papel, em superfície reta e dura,

experimentar o fluxo, a ilegibilidade

outros modos de ler

a natureza

minhas próprias impressões do mundo:

a escrita é um tipo de maré e a maré é um tipo de escrita

 

Não se trata de interpretação, muito menos de compreensão. Proponho um modo de atenção. Para com a maré. Pois ela nos toca. Ela se inscreve em nós. E para com a nossa escritura. Nossa intenção, nossa forma de escrever. Tudo que vêm junto com o ato de escrever, e tudo que é possível deixar para trás. Deixar-se levar. Fluir, variar. E tudo de novo, outra vez. 

 

Estou apaixonada pela variação da maré em La Rochelle e só por isso posso trabalhar nela, 

com ela, 

e como ela. 

 

Talvez explore a maré como um tipo de escrita para escrever sem medo de recomeçar, tomar as palavras como rastros prestes a evaporar, escrever sem o peso daquilo do que foi dito e do que se espera ver ou crer. Para ensaiar escritas efêmeras, escritas fluidas. Para ensaiar uma intimidade com o mar. Uma dedicação. Projeto então uma atenção plástica aos seus movimentos para desestabilizar o que pensamos conhecer de sua dinâmica, de sua influência e, talvez, com sorte, estabelecer ressonâncias generativas, aproximações generosas, entre as formas de escrever da maré e os ritmos da nossa escritura. 

 

Esta exposição é como um grande caderno de campo expandido, registros em múltiplos meios de meus ensaios reflexivos sobre a condição escritural da maré. Durante dois meses investiguei intimamente seus processos, suas latências, seus sinais, para desaprender a escrever como tinham me ensinado na escola e para ensaiar escrever sobre e com a maré.  Sensibilizar o meu conhecer do mundo e a minha escrita sobre o mundo. 

Para talvez um dia escrever como a maré escreve todos os dias. 

EN

The recent climatic and epidemic events that have plagued humanity are no accident. They are warnings. They are warnings. They are symptoms of fatigue. Of a planet in exhaustion. The Earth cries out - and then its waters advance, flooding our homes, touching our skin. The great tides swallow up cities that insist on building concrete barriers against a liquid, formless body. The phenomenon is already tactile; the phenomenon is already close. We can no longer observe the force of nature from a distance: modern man's pedestals are already submerged, and our human condition as thinking bodies reveals its fragility. 

 

As an invitation to intimacy, I set out to get to know the tide of La Rochelle not from what others told me - its effects, its damage, its history - but from what it had to tell me: to listen to its dynamics, to observe its lines. I am taken by the changing landscape of a city that is always unknown, the varying waters creating deep furrows, valleys, stylos. I'm struck by how this body of water moves heavy weights - stones, oysters, branches, plants - and repositions them in a line, creating a kind of concrete poetry. So I rehearse the tide in the very dance of my words. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The tide is a type of writing and writing is a type of tide: between the living tide and the dead tide I saw a large text reveal itself, meaningless scratches, far removed from reason. A text made up of textures, reliefs and dimensions of the imaginary, which imprinted countless meanings on me. Starting from this poetic hypothesis, I ask myself what we have in common, me and the tide. What subtle movements can be perceived in the alteration of my body? And what do I write about? Or is it possible to write about a natural phenomenon without romanticizing it? Without annihilating it? Which words emerge and which remain submerged in this meeting of ups and downs, between the movement of my body and that of the tide?

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

far from writing about the tide

I want to write like the tide

with the tide

 

to recognize in the word its variant nature

and to know in the tide possible dynamics of inscription

 

unlearn how to write

with pencil and paper, on a straight, hard surface,

to experience flow, illegibility

other ways of reading

nature

my own impressions of the world:

writing is a type of tide and the tide is a type of writing

It's not about interpretation, much less understanding.

I'm proposing a way of paying attention. To the tide. Because it touches us. It is inscribed in us. And towards our writing. Our intention, our way of writing. Everything that comes with the act of writing, and everything that can be left behind. To let go.

To flow, to vary. And all over again.

 

I'm in love with the variation of the tide in La Rochelle and that's the only reason I can work on it, 

with it, 

and like it. 
 

Perhaps I'm exploring the tide as a type of writing to write without fear of starting again, to take words as traces about to evaporate, to write without the weight of what has been said and what is expected to be seen or believed. To rehearse ephemeral writing, fluid writing. To rehearse an intimacy with the sea.

A dedication. So I project a plastic attention to its movements in order to destabilize what we think we know about its dynamics, its influence and perhaps, with luck, establish generative resonances, generous approximations, between the tide's ways of writing and the rhythms of our writing. 

 

This exhibition is like a large expanded field notebook, records in multiple media of my reflective essays on the writing condition of the tide. For two months I intimately investigated its processes, its latencies, its signs, in order to unlearn how to write as I had been taught at school and to try writing about and with the tide.  To sensitize my knowledge of the world and my writing about the world. 

Maybe one day I'll write like the tide writes every day. 

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